sexta-feira, 4 de junho de 2010

Calado

Há cerca de um ano, um grande amigo meu deixou este mundo. Não que ele fosse astronauta. Mas com certeza foi um homem que viveria em qualquer lugar do universo.
Fico impressionado como determinadas pessoas vêm ao mundo e são capazes de atrair tanta bondade para si. Meu amigo não era nenhum famoso, mas viveu em sua comunidade como um pai para muitos que lhe pediam a mão. Inclusive meus pais há muito tempo atrás precisaram dele, em um momento difícil do início do relacionamento. Esse meu amigo viria a se tornar o padrinho de casamento deles, entre muitos outros. Nossa diferença de idade era de cerca de 50 anos, entretanto sempre tive uma admiração muito grande por ele. Foi ele quem me botou um dos meus vários apelidos: "Calado". Até hoje me lembro com alegria quando alguns me chamam assim, graças a ele.
A música era sua aliada e seus dedos percorriam o violão como se estivesse botando um filho pra dormir.
Pouco tempo antes de morrer ele esteve hospedado em minha casa e eu ficava conversando com ele. Desta vez eu falava mais do que ele, ao contrário de antes, até por suas limitações. Eu observava-o triste por imaginar e pensar em não sei o quê. Só um dia saberei.
E depois de conversas e choros, perguntei-lhe se queria ouvir músicas. E ele de pronto enxugou as lágrimas e sorriu dizendo: "Quero, Calado."
Pus um CD que eu havia comprado aquela semana pensando nele: Noite Ilustrada. Pronto, lá vem o choro de novo.
Eram lágrimas de alegria, de boas memórias, de bons sentimentos aos versos de Levanta sacode a poeira, dá a volta por cima.
No seu velório, algo de belo acontece, quando mais um de seus admiradores entra cantando o trecho de "Sabiá" de Luiz Gonzaga e Zé Dantas.

A todo mundo eu dou "Psiu" (Psiu! Psiu! Psiu!)
Perguntando por meu bem (Psiu! Psiu! Psiu!)
Tendo o coração vazio
Vivo assim a dar "Psiu"
Sabiá vem cá também...


Música que ele adorava cantar.

Deixou quatro filhos aos quais tenho como irmãos. E uma senhora feliz por tudo que ele fez por ela.

João Nogueira, compôs uma música em homenagem a Clara Nunes vinte dias após a morte dela (também compôs outra enquanto ela estava viva).
Toda vez que ouço essa música não tenho como não me lembrar de meu grande amigo.



Um Ser de Luz
(Composição: João Nogueira, Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro)

Um dia
Um ser de luz nasceu
Numa cidade do interior
E o menino Deus lhe abençoou
De manto branco ao se batizar
Se transformou num sabiá
Dona dos versos de um trovador
E a rainha do seu lugar
Sua voz então
Ao se espalhar
Corria chão
Cruzava o mar
Levada pelo ar
Onde chegava
Espantava a dor
Com a força do seu cantar
Mas aconteceu um dia
Foi que o menino Deus chamou
E ela foi pra cantar
Para além do luar
Onde moram as estrelas
A gente fica a lembrar
Vendo o céu clarear
Na esperança de Vê-la, sabiá
Sabiá
Que falta faz tua alegria
Sem você, meu canto agora é só
Melancolia
Canta, meu sabiá, voa, meu sabiá
Adeus, meu sabiá, até um dia

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