quinta-feira, 8 de julho de 2010

Na estrada

BR-101. Dia 7 do mês 7.

Mais um dia de correria abafado. Pra desabafar, uma multidão vindo de encontro a mim enquanto espero pelo ônibus com uma pasta vermelha cheia de documentos a serem assinados e carimbados do outro lado da cidade. Vieram aos poucos, de longe pareciam uns trinta, mas se passaram trinta minutos e ainda não tinham todos eles atravessado meu caminho.

Era um protesto de trabalhadores rurais.

O tráfego piora, meu ônibus atrasa, o cartório fecha às 17 horas.

Fico pensando "onde pego outro ônibus".

Enquanto penso, outros falam. Um senhor vem passando e diz "bando de desocupado e vagabundo" e olha pra mim como quem pede aprovação para o que acaba de dizer. Eu olho pro lado pra ver se tinha mais alguém. Não, era comigo mesmo. Bem.. não sabia bem de quem exatamente ele falava, espero que não tenha sido pra mim, porque se eu encontrá-lo qualquer dia ele vai ver quem é desocupado.

Não lembro bem o que respondi, mas foi algo "ah, vai se catar véi gagá desocupado e vagabundo".

Não sei se alguém lê pensamentos no meio daquela gente toda e percebeu que eu não concordei muito com os xingamentos do senhor que passava no meio da multidão, ou se foi aquela minha pasta vermelha que me dava um ar de organizador de passeatas.

Eu sei que há muito tempo não me deparava com tantas pessoas me olhando nos olhos ao mesmo tempo, todos que passavam olhavam pra mim que olhava até onde ia aquela multidão esperando que ao fim viesse meu ônibus. Foi mesmo impressionante. Ideologias e programas políticos à parte, aquelas verdadeiras caras pintadas de bronze pelo sol do dia-a-dia demonstravam uma necessidade de compreensão e de alguém de fora de suas terras fora do comum. Alguns passavam e acenavam. Outros olhavam com medo. Outros com raiva. Outros com amor. Outros com dúvidas.

Ainda não sei bem por que eles protestavam, se é que protestavam. Talvez fosse alguém que também percebeu que esse povo necessitava de compreensão e aproveitou pra promover seu futuro político juntando eles como os bois de suas fazendas e se lançando como candidato a qualquer cargo.

Não sei.

Foi rápido. Consegui chegar a tempo aonde precisava. Resolvi tudo. Não encontrei o véi gagá de novo.

Ninguém saiu prejudicado. Nem o individual nem o coletivo. A não ser o motorista de ônibus que deve ter atrasado o horário previsto. É um risco que se corre quando quer ser motorista num mundo desgovernado.






Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até o ultimo instante seu direito de dizê-la.
(Voltaire)