domingo, 14 de agosto de 2011

Entre tesouras e tesouradas


Se tem um lugar onde a vida é real é no barbeiro. Daqueles tipos tradicionais, cartazes na parede anunciando venda de casas, radiolas, orações, aulas particulares; azulejos desgastados, clientes aguardando pacientemente para cortar com aquele único ser na Terra que sabe como é que tem que se fazer.

As histórias correm soltas, o papo principal, claro é futebol, mas é só por um instante, porque desde a teoria da relatividade até soluções de engenharia são debatidas neste espaço. Acho até que o próximo café filosófico deveria ser debatido num desses ambientes. A barbearia é um lugar de princípios. O barbeiro é um homem de confiança, mas está sempre sendo testado. Não pode ser parcial em nada, ou já subentende-se que ele pode vacilar com a navalha na sua nuca. Clientes novos tem que aprender a conhecer o ambiente, respeitar as leis locais, como se estivesse entrando numa tribo indígena secular. Nada de querer escolher as músicas que ditam o ritmo das tesouradas, a não ser que ele seja o único cliente, sua voz é sempre a última a decidir algo, mas não deixa de ser ouvida. É tudo uma questão de manter a ordem. É na barbearia que os sociólogos devem encontrar a mais avançadas das formas de convivência humana. Um lugar onde a democracia realmente funciona: chegou primeiro? vai ser atendido primeiro. E não me venha com querer pagar por fora pra ganhar lugar, tá todo mundo vendo.

Houve uma vez em que estavam cerca de oito pessoas aguardando sua vez, quando chega um rapaz musculoso mostrando banca, já chega dizendo: eita tem isso tudo é? todo mundo olha pra ele atravessado. Ele olha pro barbeiro e diz: "ainda bem que deixei meus 10 reais adiantado, não é?" continuou: "e sou depois deste senhor que me lembro que ele tava aqui quando vim deixar, ou seja, sou o próximo." Há!! isto era demais, quem era aquele intruso, os ânimos estavam alterados, mas ninguem deixou transparecer, o barbeiro tinha a responsabilidade de fazer o que quisesse, todos esperavam sua resposta. No que ele disse: "se você quiser ser atendido vai ter que esperar todo mundo..." neste momento era como se os oito estivessem sido tirados do coma pra vida. "... você deixou o dinheiro aí em cima da mesa, não me perguntou, só deixou e saiu, em nenhum momento eu aceitei." É preciso ter sabedoria de rei para ter uma barbearia.

Mas a mais emocionante foi quando uma senhora chegou lá num carro bonito, um homem lhe acompanhava, foi entrando, perguntou o preço, viu que tinha muita gente, seu acompanhante disse: "Ela tem prioridade." Todo mundo ficou observando a mulher pra tentar detectar o que ela poderia ter de tão especial que pudesse fazer ela passar na frente de todos. Gravidez? Deficiência? Moribundez? O Barbeiro perguntou o porquê. E a piada do dia tava ganha. O homem disse: ela é filha de parlamentar. não precisa dizer da alegria que tomou conta do lugar. Não que as pessoas estivessem contentes por estarem diante de figura tão ilustre, mas pela ousadia daquela dupla de pensar que ali fosse uma extensão do parlamento. Onde já se viu político ter prestígio na barbearia.

Um rei certa vez cantou, mas acho que ele quis dizer: Garçom, no BARbeiro, todo mundo é igual!

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Liberdade

Ah! Liberdade. Algo que todos buscam e defendem veementemente. Princípio básico das nações e dos direitos humanos. Objeto de discussão dos filósofos. Camisa rasgada de revolucionários. Demagogia de muitos governantes e legisladores.

Hoje é um dia que entra para os livros de história com a renúncia do ditador Mubarak que governou o Egito por décadas.
O povo foi às ruas e pressionou. Conseguiu.
Agora estão livres. Será? Não sei se existe de fato uma plena liberdade coletiva em nossa sociedade. Mas individual pode haver. E para isso não precisa ser um ditador para estar livre pra fazer o que bem entender com a vida dos outros.

Normalmente, quando proclamamos liberdade é do tipo "liberdade dos pais", "liberdade do governo", "liberdade de imprensa", "liberdade de..."
Os egípcios estão livres do ditador. Muitos pessoas em vários países do mundo estão livres da ditadura.
Mas a liberdade em que se encontra as pessoas que estão livres de algo ou de alguém é passageira, para não dizer ilusória. Vivemos num mundo valorizado pelas conquistas pessoais e concorrência acirrada entre os indivíduos.

Ao nos tornarmos obcecados por nos tornar livre dos pais por exemplo, tornamo-nos reféns da rebeldia infundada, ser livre da religião que o sufocava, mantém sua mente presa a ela. A liberdade tem dois aspectos: a liberdade de qualquer coisa e a liberdade para qualquer coisa. Muitos de nós alcançamos apenas a primeira liberdade, aquela que a população do Egito acabou de conquistar. Este é um tipo de liberdade ainda nocivo, pois pode enganar. É preciso que as pessoas tenham a liberdade positiva, isto é, liberdade para criar, liberdade para dançar, liberdade para amar, liberdade para respeitar os outros sem ter medo de ser criticado. Com este tipo de liberdade você pode até viver numa prisão, numa ditadura, estar sendo torturado a todo instante, mas talvez seja mais feliz do que aqueles que estão te torturando ou do que aqueles que vivem nas democracias.

Com liberdade para se expressar não existem inimigos nem fronteiras. Seu melhor amigo pode ser seu pior adversário político. Vocês tem liberdade para se respeitarem e conviverem juntos, pois além de serem livres de siglas ou partidos políticos, são livres para entenderem que todos nós, no fim das contas, somos todos um dependente do outro.




Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda.
(Cecíclia Meireles
)